Tomando como base o trabalho de campo que já vinha sendo realizado há aproximadamente dois anos com grupos de música que atuam nas ruas do Centro da cidade do Rio de Janeiro, elaborou-se este site intitulado Cartografia Musical de Rua do Centro do Rio de Janeiro. Buscou-se nesta pesquisa – que alicerçou este “mapeamento” – avaliar a importância das músicas tocadas nas ruas para os processos de ressignificação da cidade, problematizando de que maneiras as “territorialidades sônico-musicais” constituem-se efetivamente em espacialidades criativas capazes de impulsionar, entre outras coisas, o Desenvolvimento Local Sustentável.
Nesta cartografia digital o usuário pode – através de conteúdos diversos – conhecer os gêneros musicais, as espacialidades, os circuitos e as narrativas dos atores envolvidos direta e indiretamente com os concertos (organizados na forma de bailes, rodas, shows, fanfarras e jam sessions) realizados nas ruas do Centro do Rio. Assim, por meio de uma ampla documentação imagética e sonora buscou-se facilitar o acesso aos interessados em compreender melhor a dinâmica das atividades realizadas por estes grupos de músicos (articulados ao seu público) nos espaços públicos desta cidade.
Os vinte grupos musicais reunidos nesta cartografia tocam sistematicamente no Centro do Rio. Buscando dar conta desse universo pesquisado, delimitou-se este mapeamento aos grupos musicais que atuam nessa localidade. Na realidade, todos estes agrupamentos têm o seguinte perfil: a) realizam iniciativas desta natureza com regularidade já há algum tempo ali (vale ressaltar, contudo que, por um lado há grupos musicais que praticam mais intensamente nomadismo e, portanto, nem sempre definem um lugar certo para a execução dos concertos; e, por outro lado, mesmo estes tocam com frequência e de forma recorrente na estratégica área central da cidade); b) gozam de relativa autonomia em relação aos empresários, produtores e comerciantes do território nos quais realizam os concertos; c) mobilizam segmentos expressivos de fãs e frequentadores dos concertos (jovens, em sua maioria) especialmente pelas redes sociais; d) não atuam de forma isolada como os artistas de rua reunindo músicos amadores, semiamadores e profissionais; e) no repertório musical – identificado com “gêneros” como samba, choro, jongo, coco, fanfarras, jazz, rock e black music – executam reinterpretações de trabalhos de autores consagrados, mas também algumas composições autorais; f) buscam a sustentabilidade através não só do tradicional gesto de “passar o chapéu”, mas também de editais públicos, crowndfunding e/ou estratégias de financiamento alternativas.
A esta altura vale esclarecer que o intuito desta iniciativa não foi o de produzir uma cartografia tradicional, mas sim a realização de uma espécie de “mapa noturno” que seja provocativo, que não perca de vista a sua aplicação política, ou seja, que esteja comprometido com os problemas enfrentados no contexto no qual o pesquisador está inserido.
Está-se considerando a cartografia como uma espécie de “guia de viagem”, uma tentativa de “tradução”. Ao invés de se chegar a argumentos que explicariam inteiramente a diversidade das experiências sociais, buscou-se valorizar o que é considerado a princípio com “menor, residual e/ou sem credibilidade ou importância” como, por exemplo, a música que é executada nos espaços públicos do Rio.
Entende-se, portanto, como o ato de cartografar contemplar e conferir destaque as diferentes narrativas presentes (considerando inclusive as fabulações que alimentam os imaginários locais), isto é, como uma iniciativa que visa promover a polifonia e que tenta investir na enorme riqueza social, a qual quase sempre não é encarada com muita credibilidade pelos setores mais conservadores da sociedade.
Deste modo, nesta cartografia o usuário, em alguma medida, poderá atestar a importância das atividades musicais realizadas ao vivo e na rua para a ressignificação democrática de alguns espaços da cidade do Rio de Janeiro. Confirmou-se ao longo do trabalho o pressuposto de que há uma “cultura de rua” (especialmente uma “cultura musical de rua” muito dinâmica), praticada especialmente por grupos juvenis, capazes de criar condições não só para a ampliação da sociabilidade, mas também para a reapropriação criativa dos espaços dessa urbe.
Assim, nesta iniciativa partiu-se ainda da premissa que é necessário rever o papel dos jovens nos processos de inovação e de geração de riquezas, especialmente no âmbito cultural. É preciso construir uma perspectiva capaz de analisar de forma não estigmatizada a atuação dos jovens no cotidiano: aliás, cresce o número de pesquisas empíricas que sinalizam a importância desses atores nos processos criativos e produtivos do mundo globalizado e marcado pela forte presença das novas tecnologias digitais. Foi possível atestar no levantamento realizado que as iniciativas musicais juvenis no contexto do Rio de Janeiro geram enorme repercussão e são de grande importância, pois esta cidade constitui-se em uma espécie de “celeiro” da indústria da música nacional, concentrando boa parte da produção na localidade.
Finalizando esta apresentação, cabe destacar, que um dos objetivos deste conjunto de iniciativas - que envolveu a elaboração desta plataforma e do ebook intitulado Música nas ruas do Rio de Janeiro - foi o de subsidiar a renovação de políticas públicas, possibilitando que as mesmas sejam reconfiguradas de forma endógena e mais democrática. Vale salientar também que esta cartografia foi coordenada pelos professores Micael Herschmann (UFRJ) e Cíntia Sanmartin Fernandes (UERJ) e envolveu equipes de investigação vinculadas aos seguintes grupos de pesquisa: o Núcleo de Estudos e Projetos em Comunicação do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFRJ e o grupo de pesquisa Comunicação Arte e Cidade do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UERJ.
E, finalmente, destacamos que esta iniciativa contou com o apoio fundamental do CNPq, da Secretaria de Indústrias Criativas do MinC e da FAPERJ para a sua realização.